Mulheres na Saúde: legados de dedicação ao SUS no Ceará

13 de março de 2024 - 09:01 # # #

Assessoria de Comunicação da Sesa, HRSC e ISGH
Texto e fotos: Fernanda Teles, José Avelino Neto e Radene Fortaleza
Arte gráfica: Iza Machado

Criado pela Lei 8080/1990, após anos de luta do movimento sanitário nas décadas de 70 e 80, o Sistema Único de Saúde (SUS) contou com a contribuição substancial do trabalho de muitas mulheres. Na última reportagem da série “Mulheres da Saúde: cuidado que transforma, histórias que inspiram”, apresentamos as histórias de três cearenses que dedicam suas vidas a esse movimento.

“Proibido estacionar na vida: siga em frente”. A frase na porta da sala da Coordenadoria de Políticas da Gestão do Cuidado (Cogec) resume a pulsão de vida da servidora da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e coordenadora da Cogec, Luciene Alice da Silva. Com 37 anos dedicados ao SUS, a servidora é o que podemos chamar de uma mulher “imparável”.

Farmacêutica e advogada por formação, a coordenadora iniciou sua trajetória na Saúde do Ceará em 1983, na extinta Fundação de Saúde do Estado (Fusec), onde coordenava 26 hospitais que integravam a rede hospitalar da Fundação. Da Fusec foi transferida para a Assistência Farmacêutica da Secretaria da Saúde do Estado, atuando ainda na Vigilância Sanitária, na Saúde do Trabalhador, na organização de eventos técnicos-científicos, docência, além de participar de diversas comissões e grupos de trabalho. A atual coordenadora da Cogec colaborou ainda com a Organização Panamericana da Saúde (Opas), liderando o Projeto de Avaliação e Qualificação da Assistência Farmacêutica nos estados.

“Tenho prazer por aprender tudo que está relacionado à assistência farmacêutica e essa área no Ceará sempre foi referência para o Brasil. Fomos pioneiros em implantar a área de fitoterapia e o projeto das Farmácias Vivas no Estado, além de implantarmos o primeiro curso de especialização em Assistência Farmacêutica do país”, conta.

O trabalho inovador na Sesa lhe rendeu um convite para cumprir o seu maior desafio profissional: formular e implantar a Política de Medicamentos Genéricos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A experiência inédita no Brasil e na América Latina pode ser considerada uma das políticas de saúde com maior impacto social, econômico e na regulação de medicamentos.

Com participação em larga produção técnica e científica, a servidora elaborou oito publicações com temáticas da Assistência Farmacêutica e de Medicamentos Genéricos e colaborou com outras duas nas áreas dos Consórcios Públicos de Saúde e do enfrentamento à Síndrome Congênita do Zika Vírus.

Dona de um espírito inquieto e provocativo, Luciene chega a mais um mês dedicado à mulher, desejando uma sociedade mais justa e igualitária para as brasileiras e reafirmando o sentimento de orgulho pelo legado que construiu ao longo dos seus 37 anos como trabalhadora do SUS. “Após tantos anos na Saúde, posso dizer que tenho uma realização pessoal e profissional imensa, além de uma motivação eterna para trabalhar pela melhoria da saúde da população”, diz.

Desafios em conciliar atividades na defesa do SUS e vida pessoal

Uma vida profissional dedicada à defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). Luciana Sobreira de Matos é mãe de dois filhos, casada, doutoranda em Ciências da Saúde e, atualmente, diretora-geral da Policlínica Regional do Crato. Segue no desafio de conciliar tantas funções, uma preenchendo a outra como em um quebra-cabeça, que, na falta de uma peça, o jogo da vida fica incompleto.

“A mulher transcende a sua essência quando ela tem muito amor no coração para dar. Eu me divido entre a minha família, os meus estudos e o meu trabalho. Tento distribuir essa essência, que é fazer bem as pessoas, então a gente acaba se doando e conciliando o nosso tempo fazendo o que gosta, o que a gente ama”, relata.

E assim ela dedica a vida profissional, há 20 anos, a defender o SUS. “Priorizamos, no processo de regionalização da saúde no estado do Ceará, trabalhar as linhas de cuidado prioritárias, fortalecendo os vazios assistenciais e implantando o maior centro especializado em reabilitação tipo IV do Estado, atendendo a pessoas com deficiências físicas, auditivas, intelectuais e visuais”, conta.

Os projetos são muitos, implantados diariamente para oferecer um serviço público de saúde que municípios próximos trabalhem de forma articulada, somando recursos humanos, financeiros e de infraestrutura física e tecnológica. “Como desafio buscamos melhorar a eficiência dos gastos com saúde, repensando as prioridades, como a criação de um sistema unificado para o agendamento de consultas, exames e internações, bem como, avançar na regionalização do atendimento à saúde”, declara.

“Participar do processo de construção do SUS no Ceará e ver acontecer é sem palavras”

Para Selene de Melo Bandeira, 65 anos, a mulher pode ser digna dos mais nobres reconhecimentos, mas o desafio é o que melhor pode lhe definir. Também pudera: hoje respondendo pela coordenação administrativo-financeira da Superintendência de Saúde do Sertão Central, ela contribui na área mesmo antes de o SUS existir. Selene diz se orgulhar, ao lembrar do tempo em que já estava em campo, ajudando a construir os primeiros conselhos e planos municipais de saúde, mesmo antes da lei n° 8080 ser promulgada, pelo então governo Collor.

Em 1981, com apenas 22 anos, começou a jornada profissional na saúde pública, o que, para ela, se resume em prazer e desafios. “Eu não lembro de um dia, nesses 43 anos, eu ter dado um expediente de somente oito horas de trabalho. Como eu não tinha máquina de escrever, eu ficava no trabalho até mais tarde, para organizar as coisas. Eu até me emociono porque eu sempre me dediquei a essa causa”, conta.

Hoje com sistemas modernos e informações computadorizadas, a administradora e auditora em saúde é de um tempo em que os postos nem sequer tinham energia. Sem acesso a muitas fontes de informação na época, a não ser às antigas enciclopédias, a solução era perguntar e aprender tentando. “A minha geração não tinha muitas fontes de pesquisa. O conhecimento foi o mais desafiador, a gente foi aprendendo, perguntando e construindo”.

Com tanta estrada já percorrida, Selene de Melo não se surpreende com desafios pequenos. Na Superintendência do Sertão Central, a qual ela também ajudou a construir, desde o período em que ainda era diretoria e coordenadoria, ela acredita já ter passado por quase 90% dos setores. Emprestou o conhecimento de anos de prática, na estruturação da Central de Regulação na região. O marido, com quem formou a família, também conheceu no trabalho. Surpresa mesmo foi quando ela descobriu dez anos atrás um câncer na mama. Precisou ser mastectomizada, mas nem isso tirou o fôlego de Selene para trabalhar pela saúde do Ceará.

“Sabe quando eu faltava? Quando eu tinha que ir fazer minha quimioterapia. No outro dia, mesmo com aquela moleza nas pernas, eu botava meu lenço na cabeça pra esconder o cabelo que tinha caído, e vinha trabalhar”, diz a servidora. A recuperação foi reforçada pelo prazer de continuar batendo ponto. “A forma que eu encontrei [de se restabelecer] era eu poder estar no meu trabalho, contribuindo, para garantir que as pessoas fossem agendadas e tivessem o transporte sanitário”, relata.

Ela cita a importância de ser mulher em uma gestão onde a gerência de saúde do estado se faz com uma mulher no cargo. Selene de Melo Bandeira acredita que ainda tem muito o que contribuir, pela força, o vigor e a delicadeza que só uma mulher é capaz de emprestar. Embora já pudesse estar aposentada, ainda cuida da gestão financeira de 20 municípios da região, com hospitais polo e de pequeno porte, policlínicas e UPAs. “Participar do processo de construção do SUS no Ceará, saber que você contribuiu para aquilo que colocou no papel e depois ver acontecer, é sem palavras”, finaliza

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