Terreno fértil para mentes inquietas: histórias de mulheres que fazem ciência na Saúde do Ceará

11 de março de 2024 - 11:13 # # #

Assessoria de Comunicação do HSJ e da Sesa
Texto: Filipe Dutra (Ascom/HSJ) e Kelly Garcia (Ascom/Sesa)
Fotos: Arquivo pessoal
Artes gráficas: Iza Machado

Por trás das descobertas científicas que movem a saúde do Ceará, um grupo de mulheres trabalha incessantemente para contribuir com a pesquisa e a ciência nesse âmbito no estado. Na segunda reportagem da série “Mulheres da Saúde: cuidado que transforma, histórias que inspiram”, trazemos duas histórias de pesquisadoras que integram a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Além do senso de dever, estes relatos mostram trajetórias de muito estudo, bravura, resiliência e desejo genuíno de contribuir para uma sociedade melhor.

“Terreno fértil para uma mente inquieta”

A médica infectologista e coordenadora de Telessaúde da Sesa, Melissa Medeiros, não queria, inicialmente, trilhar profissionalmente na Medicina. “Minha primeira opção foi a Biologia”, relata. A profissional, hoje com mais de 25 anos dedicados à área, conta que a paixão pela pesquisa veio antes da paixão pelo ofício. Mas, foi justamente este sentimento que determinou o encontro dela com o mundo médico.

“Meu pai argumentou que a pesquisa em Medicina, na época, estava muito avançada localmente e, para eu fazer algo na área da Biologia, precisaria inevitavelmente ir para outro estado. Concordei. Desde o início do curso, procurei este caminho da pesquisa e o encontrei no Departamento de Farmacologia e Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), que era o mais rico neste sentido”, descreve Melissa.

Inicialmente, as pesquisas eram feitas no intuito de descobrir substâncias extraídas de plantas e desenvolver sistemas de perfusão, responsáveis pelo bombeamento de sangue no corpo. Porém, com o tempo, o ramo de atuação passou a ser com o estudo de doenças infectocontagiosas – em especial, no campo do HIV. “A infectologia é um terreno fértil para uma mente inquieta como a minha”, brinca ela.

Hoje, Melissa é doutora em Farmacologia pela UFC e professora em um centro universitário particular. São cerca de seis livros publicados e mais de sessenta artigos. Participações em congresso: incontáveis. Estudos desenvolvidos dentro e fora do Brasil. Isso, sem contar no trabalho desenvolvido junto à Sesa no intuito de facilitar o atendimento remoto, levando cuidados aos lugares mais ermos do Ceará.

Obstáculos na pesquisa realizada por mulheres

Porém, há barreiras para as pesquisadoras, a coordenadora da Sesa não nega. Ela ressalta a necessidade de um esforço extra pelo machismo estrutural no Brasil. “Isto pode acabar sobrecarregando a mulher, pois ela pode acabar tendo outras atividades no dia a dia”, reconhece.

Outra questão diz respeito ao outro lado da pesquisa: a baixa inclusão de mulheres nos estudos. Ela exemplifica, dentro de sua área de atuação: “geralmente, quando se está em idade de risco gestacional, a pessoa é excluída. E isto é ruim, pois temos pouca segurança nos resultados de, por exemplo, liberação de amamentação para pacientes com HIV”.

No entanto, Melissa é positiva quanto ao crescimento de mulheres na ciência, bem como o reconhecimento delas pelos pares e pela sociedade como um todo. “Cada vez mais, temos visto mulheres em congressos, em salas de aulas, brilhando. Na Medicina mesmo, as mulheres demoraram muito tempo para serem aceitas na faculdade – somente no século XIX que elas puderem frequentar os espaços. E uma mudança de paradigma que estamos vivenciando ainda”, analisa.

Ela observa, nos ambientes em que leciona ou trabalha, um interesse crescente de mulheres no ramo da pesquisa. E, para elas, o recado é bem objetivo: não desistir. “Nos frustramos um pouco no começo. E chegar a um patamar onde se tem segurança não é fácil. Mas, precisamos nos esforçar. Paixão, esforço e estudos são os mais importantes”, pontua Melissa.

A pesquisa como meio de aprimorar a gestão de recursos na Regionalização

A cirurgiã-dentista Márcia Gomes não tinha na pesquisa acadêmica sua primeira opção de caminho profissional. Servidora efetiva na Sesa desde 2012, em 2021 começou a coordenar a Área Descentralizada (ADS) de Russas, que pertence à Região de Saúde Litoral Leste Jaguaribe, composta pelos municípios de Jaguaretama, Jaguaruana, Morada Nova, Russas e Palhano. No entanto, ao desenvolver o trabalho como pesquisadora, descobriu que poderia contribuir ainda mais com a Saúde Pública. “Não considero que eu tenha decidido por essa trajetória profissional, mas aproveitei as oportunidades que o sistema de saúde me proporcionou”, relata.

E os números mostram que ela aproveitou mesmo!  Além da graduação em Odontologia, a cirurgiã-dentista possui três MBAs, mestrado, doutorado, está fazendo sua nona especialização e ainda iniciou uma nova graduação, em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. “Atualmente, estou fazendo Especialização em Gestão em Saúde na Escola de Saúde Pública do Ceará e o meu projeto de intervenção será para melhorar a gestão dos CEOs e Policlínicas”, explica a gestora.

No doutorado, desenvolvido no curso de Odontologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), na área de Concentração de Saúde Coletiva, pesquisou a migração de profissionais de saúde dos países do Mercosul para o Brasil. “Durante o meu doutorado, explorei toda a legislação pertinente à temática, filtrando quase quatro mil documentos, entre leis, decretos e resoluções. Por fim, o trabalho gerou dois capítulos de livro e um artigo em revista”, relata.

Para ela, o grande desafio é utilizar de forma prática a pesquisa. “Fazer a pesquisa em si é algo prazeroso. Porém, é desafiador nesse processo conseguir que seja utilizada como ferramenta de melhoria. Uma pesquisa ‘engavetada’ não atingiu seu propósito”.

Aprimorar o SUS

Márcia Gomes reforça que a pesquisa em saúde contribui para um SUS cada vez melhor 

Com o seu trabalho na área acadêmica, Márcia Gomes tem buscado evidenciar medidas de proporcionar maior captação de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), para que o dinheiro investido seja melhor aplicado e, assim, o aporte de fundos possa ser ampliado e mais pessoas possam ser beneficiadas.

“A pesquisa hoje contribui para saber onde estou e o que posso fazer para melhorar o que está ao meu alcance, além de proporcionar análises e resultados que possam auxiliar aos demais gestores que possuem governabilidade para contribuir para um Sistema Único de Saúde cada vez melhor. Dessa forma, a pesquisa, aliada ao diagnóstico situacional, monitoramento e avaliação, consegue proporcionar resultados satisfatórios em tempo oportuno”, explica.

O fato de ter morado em Quixeré e Limoeiro do Norte nunca foi obstáculo para os estudos, tampouco os trabalhos como dentista ou a maternidade. “Geralmente, os cursos eram mensais ou quinzenais. Mas no doutorado, foi um pouco mais corrido. Teve dias de eu sair às 4 da manhã, assistir aula até meio-dia e voltar para trabalhar, isso duas vezes na semana. Quando a aula ia até 17h, eu chegava em casa às 22h. Era bem cansativo”, relembra.

O apoio dos pais e do marido, que são uma rede de apoio, foi fundamental para que ela chegasse mais longe com as pesquisas, conciliando todas essas atividades. “Quando meus filhos eram pequenos, eu levava para que ficassem com os meus pais, em Fortaleza. Depois, ficavam com o pai, no interior. Hoje, um deles já está na faculdade. Tudo valeu a pena”, avalia.

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