Entrevista: psicóloga explica diferenças entre “baby blues” e depressão pós-parto

9 de junho de 2022 - 10:27 # # # #

Assessoria de Comunicação do HMJMA
Texto e foto: Diana Vasconcelos
Arte gráfica: Josias Jeronimo


Romantização da maternidade faz com que a mãe não receba o suporte necessário, diz Ana Crys Benício Lopes

Momentos de choro e medo após ter um bebê é normal e até esperado. Segundo a psicóloga Ana Crys Benício Lopes, que atua no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), no puerpério, há um período de adaptação entre mãe e bebê conhecido como baby blues. Por se tratar de um situação de fragilidade emocional das mães, a circunstância pode ser confundida com a depressão pós-parto.

“A dúvida ocorre, principalmente, pela romantização do processo do parto e pós-parto, quando os receios e os sentimentos das mães são classificados como não naturais”, afirma Lopes.

A psicóloga pontua a necessidade de se entender a diferença entre o baby blues e a depressão pós-parto para, desta forma, oferecer o apoio e o tratamento adequados para as mulheres.

Confira a entrevista:

O que caracteriza o “baby blues”?

Ana Crys Benício Lopes: O baby blues é um dos transtornos emocionais do ciclo gravídico puerperal. Ele é uma reação à condição do pós-parto, quando a gente observa (na paciente) um choro fácil, uma fragilidade emocional e até uma irritabilidade. É muito comum mães relatarem cansaço e sentimento de incompreensão. Elas ficam, realmente, muito sensíveis. Então, quando há, por exemplo, alguma pontuação da família, elas reagem com esse choro fácil, (demonstram) dificuldades adaptativas. Somada à adaptação com o bebê está a questão hormonal. Então, ela terá um tempo difícil, de muita sensibilidade, com seu pico lá pelo quarto ou quinto dia do puerpério.

Todas as mulheres passam pelo “baby blues” ou há um perfil mais afetado?

Ana Crys Benício Lopes: No geral, alguns manuais falam sobre o período, esperado no processo de pós-parto. Estima-se que de 80% a 90% das mulheres passam por isso.

Quando podemos dizer que a sensibilidade emocional provocada pelo “baby blues” chegou ao fim?

Ana Crys Benício Lopes: Cada caso é um caso. De acordo com os manuais, é de dez a 15 dias (duas semanas). Acho justo, porém, a gente considerar também o contexto familiar e o histórico da paciente, a rede de apoio, se é mãe de primeira viagem, pois isso acaba tendo uma interferência direta. Por se tratar, ainda, de uma questão hormonal, as mulheres podem reagir de maneiras diferentes.

Há um tratamento específico para o “baby blues”?

Ana Crys Benício Lopes: Por ser algo reativo, espera-se que o suporte familiar seja o suficiente, que os familiares entrem nesse processo com um olhar compreensivo e de apoio, oferecendo para a mãe condições para que ela se organize.

Agora, dentro desse processo de hospitalização (antes do parto), a gente tenta trabalhar muito a psicoeducação, no sentido de orientar que isso pode acontecer. É sempre encorajado que elas expressem o que elas estão sentindo.

Existe um pré-natal do ponto de vista biológico, mas também existe um do ponto de vista psicológico, em que podem ser trabalhadas questões emocionais no pós-parto. Esse momento gera segurança para a mãe e acaba sendo um fator de proteção.

O que a caracteriza a depressão pós-parto e quando ela começa?

Ana Crys Benício Lopes: Não existe um consenso. Isso, inclusive, é negativo para se estabelecer o diagnóstico. O que se observa diante da literatura é que, três meses após o parto, é um período seguro de se avaliar a depressão pós-parto. As reações emocionais vão ser semelhantes ao blues pós-parto, porém, mais intensas.

Existem sintomas de uma depressão comum, mas persistente. Persiste naquele humor deprimido, naquele desinteresse, naquele desânimo. Às vezes, há uma perda de peso, uma dificuldade de concentração. E a grande característica (da depressão pós-parto) é que interfere diretamente na relação da mãe com o bebê, com menos interação. Ela (mãe) quer desistir da amamentação, sente-se desconfortável ao ter que falar com o bebê; sente-se desamparada. É algo mais intenso do ponto de vista emocional e mais duradouro.

Qual o tratamento para a depressão pós-parto?

Ana Crys Benício Lopes: No caso da depressão pós-parto, por se tratar de dificuldades mais intensas, o ideal é que a paciente passe por uma avaliação psiquiátrica. Pode ser necessário o uso da medicação para dar suporte, além do acompanhamento psicológico e do suporte familiar. Quando essa mãe recebe o suporte adequado, ela vai começar a se organizar emocionalmente diante desse nascimento.

Quando podemos afirmar que não há mais depressão pós-parto?

Ana Crys Benício Lopes: Ela vai iniciar um processo de acompanhamento psiquiátrico; existe uma sistematicidade. Paralelo a isso, há o acompanhamento psicológico. A gente não tem como prever o tempo de tratamento, mas a gente vai saber que ela está bem da depressão quando observamos a melhora na questão do humor, do apetite; quando ela começa a retomar o interesse em atividades que tinha deixado de lado. No que se refere ao bebê, temos de observar se há interação com a criança, se ela vai conseguir atender às necessidades dela e do filho.

O que explica a confusão entre “baby blues” e a depressão pós-parto?

Ana Crys Benício Lopes: No geral, a maternidade é muito romantizada como um momento de muita alegria pela chegada de um filho. Então, qualquer expressão contrária a isso é vista como algo errado. As pessoas pensam: “ela está com depressão”. Toda essa visão romantizada torna difícil para essa mulher receber o suporte que ela precisa, pois quem está no entorno já caracteriza como depressão aquilo que faz parte do processo adaptativo.

Existe um olhar muito crítico com relação a essa mulher, o que acaba a fragilizando ainda mais nesse período de adaptação que ela precisa vivenciar. Essa confusão vem disso, desse olhar romantizado que não permite que a mãe expresse aquilo que ela está realmente sentido. Muitas mães não conseguem se expressar, sentem culpa, vergonha por ter dificuldades, entraves em relação a essa adaptação. O que é esperado, então, acaba sendo visto como motivo de crítica.