Entrevista: especialista da Sesa orienta como conhecer e tratar precocemente a hanseníase

29 de janeiro de 2021 - 08:27 # # # #

Assessoria de Comunicação da Sesa
Repórter:
Suzana Mont'Alverne
Arte gráfica: Fabio dos Santos

Janeiro Roxo é a campanha que joga luz sobre a hanseníase. Para reforçar a conscientização acerca da doença, historicamente estigmatizada, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) traz uma entrevista com especialista sobre o histórico da hanseníase, o cenário no Estado e como realizar diagnóstico, tratamento e o caminho para a cura.

Na conversa, a assessora técnica do Programa de Hanseníase da Sesa, Yolanda de Barros, reforça que a prematuridade do diagnóstico e tratamento podem evitar complicações causadas pela hanseníase. A Sesa já divulgou, em 19 de janeiro, boletim epidemiológico com dados mais aprofundados sobre a situação da doença no Ceará.

O tratamento é feito nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Caso haja alguma complicação, o paciente pode ser encaminhado para atendimento no Centro de Dermatologia Sanitária Dona Libânia, na Rua Pedro I, 1033, no Centro de Fortaleza.

Confira a entrevista:

A Hanseníase é uma doença pouco falada. Como ela pode ser identificada precocemente? E em que fase a doença é transmissível?

Yolanda Barros: A doença pode ser identificada precocemente, por meio de observações de manchas brancas indolores espalhadas pelo corpo. A fase em que a doença possui potencial de transmissão é a forma multibacilar não tratada. Nesta fase, a hanseníase pode se apresentar com manchas mais claras, vermelhas ou mais escuras, que são pouco visíveis e com limites imprecisos, com alteração da sensibilidade no local associado à perda de pelos e ausência de transpiração.

Quando o nervo de uma área é afetado, surgem dormência, perda de tônus muscular e retrações dos dedos, com desenvolvimento de incapacidades físicas. Nas fases agudas, podem aparecer caroços e/ou inchaços nas partes mais frias do corpo, como orelhas, mãos, cotovelos e pés.

Como é feito o diagnóstico da hanseníase? Ela pode ser confundida com outras doenças dermatológicas?

Y.B: O diagnóstico para detecção do caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico. É realizado por meio do exame físico, quando procede-se uma avaliação dermatoneurológica buscando identificar sinais clínicos da doença. Antes de dar-se início ao exame físico, porém, deve-se fazer a anamnese colhendo informações sobre a sua história clínica, ou seja, presença de sinais e sintomas dermatoneurológicos característicos da doença e sua história epidemiológica.

Geralmente, as pessoas tendem a confundir com psoríase ou o famoso “pano branco”, visto que são doenças que também aparecem manchas, mas são facilmente descartadas quando um profissional as avalia, pois cada uma tem suas especificidades; a hanseníase tem forte alteração da sensibilidade no local associado à perda de pelos e ausência de transpiração.

A pessoa diagnosticada precisa ficar isolada?

Y.B: Não há necessidade de isolamento, visto que, a partir do momento que se inicia o tratamento, a pessoa deixa de transmitir a doença.

O estigma social pode ser um fator para o não tratamento precoce e consequentemente evolução da doença?

Y.B: Sim. A hanseníase, historicamente, ainda traz uma carga de preconceito intensa, o que faz com que os acometidos com a doença não queiram buscar os serviços de saúde e, consequentemente, evoluindo o quadro, causando danos neurais e outras sequelas.

As chances de contágio são maiores com o convívio prolongado com a pessoa infectada?

Y.B: É fundamental que familiares e pessoas próximas a quem foi diagnosticado com hanseníase também busquem uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para avaliação. Isso facilita o reconhecimento precoce, o tratamento adequado e a prevenção de capacidades. E, como consequência, a diminuição da prevalência oculta (soma dos cinco anos anteriores em estudo da estimativa de casos não detectados). Assim, podemos romper a cadeia de transmissão.

Onde a pessoa deve buscar o tratamento?

Y.B: O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza o tratamento e acompanhamento da doença em UBS e em referências.

Como funciona o tratamento? O seu abandono pode levar a que tipo de consequências?

Y.B: Os medicamentos são seguros e eficazes. O paciente deve tomar a primeira dose mensal supervisionada pelo profissional de saúde. As demais são autoadministradas. Ainda no início do tratamento, a doença deixa de ser transmitida.

Familiares, colegas de trabalho e amigos, além de apoiar o tratamento, também devem ser examinados. O abandono do tratamento pode levar à continuidade da transmissão do Mycobacterium leprae (responsável pela hanseníase), o desenvolvimento de incapacidade física e deformidades graves, ocasionando alterações físicas, emocionais e sociais, além da resistência aos medicamentos – poliquimioterápicos.

Muita gente associa hanseníase à lepra, que é um termo em desuso e não recomendado para caracterizar a doença. Há, ainda, um trabalho de conscientização sobre as terminologias? Como a doença adquiriu esse estigma social?

Y.B: Desde a promulgação da Lei 9.010 de 1995, os termos “lepra” e seus derivados não podem ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros. A terminologia é proibida no Brasil como referência à hanseníase.

O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) reafirma a importância da terminologia de forma apropriada às pessoa acometidas pela doença. O estigma social da hanseníase apresenta um contexto histórico. A terminologia “lepra” está associada a uma concepção de impureza e penalidade divina, o que nos traz a ideia de segregação por parte da sociedade. É nesta conjuntura que o estigma surge e se enraíza na sociedade e os acometidos pela hanseníase sofrem por serem portadores da doença.

O Boletim Epidemiológico apresentado pela Sesa mostra que os casos, entre os anos de 2015 e 2019, são maiores em homens cisgênero (que se identificam com o gênero biológico) dentro da faixa etária de 50 a 64 anos. Há um motivo para isso?

Y.B: Há necessidade de um estudo epidemiológico para avaliarmos se a ocorrência da doença, na amostra mencionada, tem nexo causal com algum fator. Mas podemos levantar a hipótese de que os homens tendem a buscar o serviço de saúde tardiamente.

Quais políticas públicas vêm sendo adotadas pelo Estado para conter a doença?

Y.B: Além do Plano Estadual de Hanseníase, temos também algumas literaturas para o embasamento de nossas ações, como as diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como um problema de saúde pública (2016), estratégia global para hanseníase (2016 a 2022), estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase (2019 a 2022) e Hanseníase no Brasil: caracterização das incapacidades físicas.