Doação de órgãos e tecidos: quando a incerteza se transforma em renovação

15 de dezembro de 2025 - 17:00 # # #

Assessoria de Comunicação do HGF
Texto, fotos e vídeos: Filipe Dutra

Marcelo e Tereza Gomes, pais de Maria Teresa, doadora de órgãos

Marcelo e Tereza Gomes carregam no peito duas coisas: a imagem da filha Maria Teresa, estampada em uma camisa, e a saudade. A jovem de 22 anos teve morte cerebral há quatro meses, por causa de problemas neurológicos. Com orgulho, o pai mostra vídeos gravados no celular com momentos da moça, comunicativa e carismática. “Ela era fanática pelo Ceará e pelo Corinthians. Gostava muito do Jardel e do Ciel”, conta a mãe.

Porém, diante do sentimento de luto, outro surgiu — o da solidariedade. Maria Teresa foi doadora de córneas e rins, ajudando a transformar outras vidas. “O pessoal da família era meio contra, mas ela mesmo dizia: ‘Pai, o que der para doar você pode doar, tá bom?’”, conta Marcelo, complementado por Tereza: “Precisávamos respeitar a vontade dela. Além disso, tem tanta gente precisando, né? E a gente tinha que fazer a boa ação da gente”.

Foi em uma “boa ação” que o olhar do estudante de Enfermagem Isaac Farias, 23, ganhou um novo brilho. Em 2023, ele passou por um transplante de córnea — o jovem tinha ceratocone, uma doença genética rara que provoca a redução da espessura da parte central da córnea, deixando-a em formato de cone com o tempo, daí o nome.

O transplante foi realizado no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), equipamento da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), e foi, segundo Isaac, “um divisor de águas”. “A minha vida é basicamente outra depois do transplante. Antes, eu não conseguia enxergar direito: tinha que estar dez centímetros do rosto de alguém para poder enxergá-lo, para poder ver o seu rosto como ele é. Hoje, eu não preciso dessa distância mínima. Enxergo qualquer pessoa de onde ela estiver. Consigo ler, consigo dirigir”, comemora.

Mesmo sabendo a importância de se autorizar a doação de órgãos e tecidos, muitas pessoas ainda têm receio, como foi o caso inicial da família de Marcelo e Tereza. A coordenadora da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (Cihdott) do HGF, Márcia Vitorino, explica que a falta de conhecimento sobre o processo contribui com essa insegurança. “Geralmente, quando conversamos com a família, primeiro temos que avaliar o que eles entenderam com relação à doação de múltiplos órgãos. Vai depender muito de cada família, de cada momento em que eles estejam”, diz.

É nessa hora que o papel educacional entra em ação. A Central de Transplantes do Estado (Cetra) da Sesa realiza, regularmente, cursos de comunicação em situações críticas, para que os profissionais de saúde estejam cada vez mais capacitados para agir em situações favoráveis à doação de órgãos e tecidos. “A principal causa da não doação ainda é a negativa familiar. Por isso, é preciso que haja uma comunicação eficaz com essa família, pautada no respeito, na empatia e na autenticidade, pois, nesse momento, a família está diante da dor pela perda de um ente querido. Não há dúvidas: através de uma boa comunicação e de um acolhimento adequado, essas famílias são solidárias e doam”, destaca a coordenadora da Central, Eliana Barbosa.

O HGF realizou na última sexta-feira (12), o 16º Encontro de Famílias Doadoras de Órgãos e Tecidos. A programação reuniu familiares, receptores e autoridades ligadas à Saúde do Ceará como uma celebração da vida — tanto agradecendo quem doou quanto parabenizando quem recebeu.

Marcelo e Tereza saíram do hospital com um sorriso no rosto: conheceram novas pessoas, reencontraram profissionais, aprenderam um pouco mais sobre o processo do luto. E saíram também com a certeza de que Maria Tereza vive em alguém. “A gente fica feliz porque tem outra pessoa que foi ajudada e ela está tendo o privilégio de ter a visão da nossa filha, que era muito boa, muito bonita”, finaliza o pai.