Nossa voz transforma nossa história: falas orgulhosas de pessoas LGBTQIAPN+ que fazem a Saúde do Ceará

27 de junho de 2025 - 16:32 # # #

Assessoria de Comunicação da Sesa
Texto, fotos e vídeos: Ariane Cajazeiras, Kelly Garcia, Natássya Cybelly/ Ascom HUC, Thais Menezes/ Ascom HRN, Jessica Fortes/ Ascom HM
Arte gráfica: Carla Costa
Edição: Ariane Cajazeiras

28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBTQUIAPN+. Com uma sigla que cresce cada vez mais, tendo o objetivo de incluir e acolher as diferentes formas de ser e amar, a data é importante para ampliar a voz de quem tem uma realidade muitas vezes de silenciamento e exclusão. O grito das paradas que ocorrem em todo o mundo busca acolhimento, respeito, direitos e equidade. Por isso, a Saúde do Ceará conta, nesta reportagem especial, histórias de gente que tem voz e dá voz à diversidade no espaço público. Falas orgulhosas de quem é e permite que todos sejam o que genuinamente são.

“Que a sociedade enxergue que toda forma de amor vale a pena”

Valéria Mendonça, mulher lésbica, administradora hospitalar, coordenadora da Célula de Atenção à Saúde das Comunidades Tradicionais e Populações Específicas (Cepop) e servidora pública da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) há 40 anos

Mulher lésbica assumida desde que tinha 16 anos, Valéria Mendonça sempre se autoidentificou dessa forma em todos os ambientes que esteve. Para ela, a aceitação da família foi fundamental, assim como o seu posicionamento enquanto militante, que fez com que ela liderasse a criação de secretarias específicas de Diversidade no movimento sindical e político.

Administradora hospitalar por formação e especialista em Terceiro Setor, Valéria Mendonça trabalhou na gestão do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), do Hospital Municipal de Aracoiaba, do Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio) e atuou na Central de Transplantes da Sesa. Também faz parte da coordenação do Movimento Outubro Rosa no Estado há 15 anos.

Coordenadora da Célula de Atenção à Saúde das Comunidades Tradicionais e Populações Específicas (Cepop) da Sesa, Valéria Mendonça, destaca, entre os projetos desenvolvidos pela pasta, as formações de letramento LGBTQIAPN+ na Atenção Primária, que têm sido desenvolvidas em parceria com o projeto De Braços Abertos. “Em dezembro, realizamos uma formação de letramento para os Agentes Comunitários de Saúde, em parceria com a Escola de Saúde Pública do Ceará. Também estamos finalizando a Política de Saúde voltada a essa população e um termo de cooperação entre a Sesa e a Secretaria da Diversidade (Sediv), que irá amplificar a nossa ação”, exemplifica.

Valéria Mendonça e a equipe da Cepop

Ela destaca o Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans), atualmente funcionando no Hospital Universitário do Ceará (HUC). Criado em 2017 como um serviço de atenção à saúde de nível secundário, o Sertrans atende às pessoas em transição de gênero, com atendimento multidisciplinar.

Leia também: HUC tem acompanhamento especializado para pessoas transgênero; ambulatório Sertrans já realizou mais de 300 consultas até maio

Além dessas ações, Valéria Mendonça considera importante o fato de tanto ela, como os dois trabalhadores da pasta, se autodeclararem como integrantes da população LGBTQIAPN+. “Hoje, na Cepop, estamos juntos eu, mulher lésbica e Rodrigo Alves e Wellesson Costa, dois homens gays. Só o fato de sermos assumidos já contribui para que outras pessoas possam se libertar e se apresentarem como são, sem capas ou máscaras. Na nossa coordenadoria, sempre fomos respeitados e bem aceitos”, disse.

“Eu sabia que a forma como eu me enxergava era diferente de como as pessoas me viam”

Alessandro é paciente do Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans)

Alessandro nasceu com o corpo de mulher, mas desde pequeno compreendeu que não se identificava com o gênero feminino. “Eu não entendia muito bem, mas sabia que a forma como eu me enxergava era diferente de como as pessoas me viam. Quando era pequeno e adolescente não existia tanta informação sobre pessoas transgênero, então muita coisa eu não compreendia”, conta.

A inquietação na busca por se conhecer mais e se sentir dono do próprio corpo, fez Alessandro buscar informações. Foi uma amiga que contou sobre o serviço de saúde da Rede Sesa que oferecia acompanhamento para pessoas transgênero. Alessandro buscou o posto de saúde próximo de onde mora, na cidade de Chorozinho e aguardou ser encaminhado para o Sertrans. Aquele momento aguardado com ansiedade, marcava o início de uma nova história.

“Eu me senti muito acolhido e pela primeira vez eu estava sendo atendido por uma equipe de saúde que me compreendia, sem precisar passar por julgamentos ou desinformação, porque dentro dessa minha busca eu já tinha sido atendido por psicólogos que desconheciam o que é uma pessoa transgênero e no Sertrans toda a equipe já era preparada, eu me senti muito acolhido e confortável”, conta.

Com o atendimento especializado de endocrinologista e, acompanhado por equipe multidisciplinar com consultas de psicólogos, Alessandro realizou a transição de gênero

“A responsabilidade de abrir caminhos para outras pessoas LGBTQIAPN+ que ainda não se sentem vistas”

“Para a minha profissão, eu trago mais do que o meu crachá e o meu conhecimento técnico. Comigo, vêm a minha história, a minha identidade como mulher preta e trans, e a responsabilidade de abrir caminhos para outras pessoas LGBTQIAPN+ que ainda não se sentem vistas”, é o que diz Samantha Joyce de Sousa Farias, 45 anos, técnica em Enfermagem do Hospital Estadual Leonardo Da Vinci (Helv).

“Espero que a minha presença e que todas as lutas que enfrentei até aqui sejam uma porta aberta. Uma lembrança viva de que diversidade é transformação real”

Para ela, cuidar foi a forma que encontrou de se expressar no mundo. “É a minha linguagem de amor e de resistência. Mas nem sempre foi assim. No início, minha voz era de resistência silenciosa. Com o tempo, ela se tornou presença, acolhimento e, principalmente, representatividade. Mostrei que profissionalismo e humanidade caminham lado a lado, por isso me tornei técnica em enfermagem, para cuidar do outro”, conta.

“Hoje, eu me sinto inteira e respeitada, isso não tem preço. Porque, quando podemos existir com dignidade, trabalhamos melhor, cuidamos melhor, vivemos melhor”

“Não tenho nenhum problema em assumir a minha sexualidade e a enxergo com naturalidade da minha vida e no trabalho”

Identificando-se como a letra G da sigla LGBTQIAPN+, o enfermeiro Rodrigo Tavares Dantas, de 45 anos, faz questão de se posicionar enquanto pessoa gay. “Percebo que as pessoas admiram como me posiciono sobre minha orientação sexual. Sempre que acho oportuno, faço questão de me colocar, para que outras pessoas também se enxerguem. Infelizmente, ainda somos vistos como ‘diferentes’, e eu dou a minha voz para mostrar que o que parece diferente, na verdade, é igual”.

Ele, que é especialista em Enfermagem Cardiovascular, Mestre e Doutor em Farmacologia, coordenador de Enfermagem da Educação Continuada e do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), valoriza muito o acolhimento. “Enquanto profissional da saúde, quando discutimos, em palestras ou reuniões, sobre o cuidado ao paciente, é fundamental entender que ele é um ser diverso — tem cultura, religião, etnia e orientação sexual diferentes das nossas — e nós precisamos respeitar isso. Sempre incluo essa perspectiva nas minhas falas: o nosso cuidado deve ser centrado no paciente, no que ele é, e não no que queremos ou achamos que ele seja. A diversidade faz parte da vida”.

“Você que é trans, tem o direito e a dignidade de ocupar todo e qualquer espaço: a área da saúde precisa da nossa sensibilidade, da nossa lealdade, do nosso carinho”

A trajetória de Esther Costa, 45 anos, mulher trans e técnica de enfermagem da ambulância do Hospital Regional Norte (HRN), é uma dessas histórias que merecem ser contadas com orgulho. Filha de uma família humilde de Sobral, ela leva para a vida profissional os valores que aprendeu desde cedo. “A educação que me deram, hoje eu passo para todo mundo que conheço: respeito acima de tudo e humildade sempre”, afirma.

Reconhecida por seus colegas, Esther já foi eleita por três anos consecutivos como representante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa)

Esther iniciou sua caminhada no hospital em setembro de 2017, atuando na central de transporte de pacientes. Com o tempo, assumiu com dedicação e competência a função de técnica de enfermagem na ambulância, onde auxilia nas transferências internas e externas. O contato direto com os pacientes se tornou um ponto de conexão profundo para ela. “É onde o paciente mais precisa da nossa atenção e carinho. E esse carinho é recíproco. Muitos dizem que se sentem acolhidos com o meu jeito de tratar. Isso é muito importante pra mim”, compartilha.

Esther não esconde o orgulho de ser quem é — e de poder ser quem é, com liberdade, dentro do ambiente hospitalar. “Trabalhar num lugar onde posso mostrar minha essência, minha força de vontade, e meu poder de ajudar o próximo, é grandioso. Sou mulher trans e sou muito feliz por ocupar esse espaço com competência e dignidade”, diz com firmeza.

“Minha voz como pessoa LGBTQIAPN+ ajudou a transformar o ambiente do meu trabalho”

Ter uma voz ativa como profissional LGBTQIAPN+ não é só sobre mim — é sobre abrir caminho para que outras pessoas

Anael Moreira, de 25 anos, responsável técnico loco-regional da Base Polo de Tianguá do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192) Ceará, diz que sua voz enquanto homem gay mostra que é possível ocupar espaços de liderança com respeito, empatia e autenticidade. “Aos poucos, fui quebrando preconceitos e mostrando que diversidade não é problema, é parte da solução”.

Para ele, o jeito de conduzir, escutar e valorizar as pessoas, abriu espaço para um ambiente mais acolhedor, onde todos se sentem à vontade para ser quem são. “Isso fortaleceu a equipe e melhorou o clima no trabalho. Minha vivência também trouxe reflexões importantes sobre inclusão, direitos e cuidado — com os pacientes e com os próprios profissionais. Tudo isso se conecta com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que valorizam o cuidado integral, o respeito às diferenças e a promoção da equidade. Ter uma voz ativa como profissional LGBTQIAPN+ não é só sobre mim — é sobre abrir caminho para que outras pessoas também se sintam seguras, respeitadas e valorizadas no serviço público de saúde. A transformação ainda está em curso, mas acredito que cada atitude, cada escuta e cada espaço de fala já é uma semente de mudança”, finaliza.