Referência, Hospital de Saúde Mental do Ceará é espaço de apoio para devolver o desejo de vida

12 de janeiro de 2023 - 15:37 # # # # #

Assessoria de Comunicação da Casa Civil
Texto: Larissa Falcão
Fotos: Helene Santos
Infográficos: Yuri Leonardo


HSM sensibiliza a sociedade sobre estigmas relacionados a pessoas com transtornos mentais

Hoje, quando se olha no espelho, Maria Iraci Queiroz, de 47 anos, enxerga mais alegria no sorriso e luz no olhar. “Eu me vejo diferente de antes. Estou mais alegre. É essa Iraci que eu quero ver”, afirma ela, que está em tratamento contra depressão e ansiedade no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e integrante da rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

Referência em saúde mental no Ceará, o HSM, localizado em Fortaleza, possui Emergência Psiquiátrica aberta 24 horas para receber pacientes com transtornos mentais graves e que estejam em crise. Para casos de internamento, a unidade soma 180 leitos, sendo 160 para tratamento de pessoas com transtornos mentais gerais e 20 para dependentes químicos.

Para pacientes que não precisam de internação, mas necessitam de acompanhamento especializado, o HSM oferece atendimento ambulatorial psiquiátrico, coordenado pela Residência em Psiquiatria, assistindo crianças, jovens, adultos e idosos. O equipamento dispõe, ainda, de dois hospitais-dia: o Elo de Vida, para pacientes com dependência química, e o Lugar de Vida, voltado para aqueles com transtornos mentais e com quadro de saúde estável. O HSM completa 60 anos em 2023.

Humanização

É no Hospital-dia – Lugar de Vida que Iraci reencontra motivações para seguir em frente. Estímulos apagados pelo medo da solidão, acentuado em 2020 por causa do distanciamento social necessário no enfrentamento à pandemia da covid-19. “Eu fiquei em pânico. Achava que a maior solução era morrer, porque não tinha mais sentido a minha vida. Eu só dormia, não me alimentava, e chorava. Tive muitas crises desde que cheguei aqui, mas fui muito bem acolhida pela equipe do Hospital-dia”, avalia.

A depressão é um transtorno mental caracterizado por sentimentos negativos e causado por uma combinação de fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos. Pessoas com o diagnóstico são afetadas na capacidade de trabalhar, dormir, estudar, comer e socializar.

O desejo de vida florescido em Iraci está enraizado em cada etapa do tratamento e nas bonitas miudezas descobertas por ela no cotidiano ao lado dos colegas. “Aqui, mesmo quando estou muito ansiosa, eu saio cortando flores e plantas para fazer arranjos. As meninas me chamam de florista. Enfeito até as salas do hospital. Mas nem todo dia é fácil. Subir cada degrau da escada é uma conquista”, registra.


Além dos arranjos florais, Iraci participa de atividades com pinturas e música

Para o psiquiatra e diretor clínico do HSM, Helder Gomes, cuidar da saúde mental é uma questão de saúde pública. A preocupação com o tema, inclusive, cresceu muito durante a pandemia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2020, foi registrado aumento de 25% em casos de depressão e ansiedade na população mundial.

Ainda segundo a OMS, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina – e o segundo nas Américas. A sensibilização sobre o assunto ganha mais força com a campanha Janeiro Branco, cujo foco é a prevenção de alguns transtornos psiquiátricos.

“A OMS define que saúde mental significa não somente ausência de doença; não significa dizer que não tem depressão ou ansiedade. Ter saúde mental é um contexto mais amplo, envolvendo bem-estar, qualidade de vida, capacidade de interação social, prática do lazer e trabalho. Esse contexto compreende estar bem consigo mesmo e com a sociedade. Você estar bem não significa a ausência de doença, até porque problemas acontecem em nossas vidas o tempo todo, então, é importante saber lidar com isso da melhor forma possível”, explica Gomes.


Para Helder Gomes, a sociedade precisa conversar mais sobre saúde mental

Sobre a busca por atendimento, o psiquiatra ressalta que o HSM, por se caracterizar como uma unidade do nível terciário de atenção à saúde, atendendo a casos psiquiátricos de alta complexidade, tem na Rede de Saúde Mental o reforço necessário. “Temos 80% dos casos psiquiátricos resolvidos em postos de saúde (atenção básica). Casos mais graves são encaminhados para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). No Ceará, temos Caps gerais, para atendimento de adultos; Caps infantis, para dar assistência a crianças e adolescentes; e Caps AD, destinados a pacientes com dependência química relacionada a álcool e outras drogas. O HSM, então, fica de retaguarda para ocorrências mais graves”, sublinha.


Conversar sobre saúde mental é fundamental para auxiliar no processo de diagnóstico precoce e de tratamento especializado, mas também contribui para desconstruir o preconceito ainda existente. Estigma que Reginaldo Bezerra, de 56 anos, também paciente do Hospital-dia – Lugar de Vida, aprendeu a lidar.

“Minha primeira crise foi em 1989. Chorei muito, meus dedos enrijeceram. De lá para cá, tive crises de depressão, mas fazendo tratamento. Tenho F31 [transtorno afetivo bipolar], associado a um fator genético. Aqui, no Hospital-dia, tem pessoas com F20 [esquizofrenia], outras com F33 [transtorno depressivo recorrente]. Mas esses Fs não maltratam tanto como o f da frescura do preconceito, que eu chamo de fresconceito”, define Reginaldo. Ele também é atendido mensalmente no Ambulatório de Transtornos do Humor do HSM.


Reginaldo destaca que o apoio do HSM e da família ajudam no tratamento

Nos 15 ambulatórios do HSM, recebem assistência pacientes com transtornos mentais com diferentes diagnósticos e quadros de gravidade. O atendimento é prestado por médicos residentes em Psiquiatria, sob a supervisão de preceptores da Residência Médica.


Reginaldo recebeu o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar em 1989, mesmo ano em que foi apresentado o projeto de reforma psiquiátrica do Brasil. Após 12 anos, o texto foi aprovado e sancionado como Lei nº 10.216/2001, ficando conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Um marco histórico que garantiu a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais. Houve, assim, um redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental no território brasileiro.

Além da depressão e do transtorno afetivo bipolar, também estão entre os transtornos mentais a esquizofrenia e outras psicoses, demência, deficiência intelectual e transtornos de desenvolvimento.

O preconceito relacionado aos transtornos mentais, segundo Helder Gomes, ainda faz parte da lembrança desse passado no qual as pessoas eram internadas sem previsão de alta e destinadas ao isolamento. “Nas últimas décadas, principalmente após a reforma antimanicomial, a Psiquiatria passou a incentivar o tratamento humanizado. O paciente do Hospital de Saúde Mental, por exemplo, é atendido por um psiquiatra e uma equipe multiprofissional, composta por psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, farmacêutico, fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e outros trabalhadores necessários para compreender o paciente em sua totalidade. As pessoas precisam de atenção, de escuta, de ser tratadas como cidadãs”, considera.


Nos corredores do HSM, é possível admirar telas que foram pintadas por ex-pacientes

Para oportunizar o contínuo aprimoramento desses profissionais, o HSM também se destaca nos campos de Ensino e Pesquisa em saúde mental. “Faz parte do HSM o compromisso com a educação e a produção científica. Mas ainda temos muito o que caminhar na área. Não há saúde sem saúde mental”, ressalta o psiquiatra e diretor-geral da unidade, Davi Queiroz de Carvalho Rocha.

Gente que cuida

Nesse sentido, o atendimento humanizado no HSM dialoga com atividades de outras áreas, como a arte e a prática esportiva. “Uma pessoa com esquizofrenia não perde suas capacidades de viver. Diversas capacidades permanecem e, por meio do tratamento, podem ser estimuladas. Sabemos que, até para esse talento aflorar, é preciso que o paciente siga o tratamento adequado”, pondera Helder Gomes.


A consciência corporal é uma grande aliada nos cuidados com a saúde mental

A música também compõe o tratamento no HSM, com destaque para a famosa Orquestra Vidros Mágicos. O grupo já apareceu em vários programas da televisão brasileira. Instrumentos que iluminam a rotina de pacientes como Iraci e Reginaldo. Responsável pela banda, a musicoterapeuta e psicóloga Ré Campos, atuante há 20 anos no hospital, fala sobre como a iniciativa auxilia na recuperação.

“Fazemos isso para que os pacientes se sintam autores de suas vidas. As pessoas em tratamento psíquico ficam, muitas vezes, em isolamento da família e da sociedade. Nós precisamos tirá-los dessa reclusão e conduzi-los à socialização. Para isso, temos a arte, não sendo privilégio somente de artistas, com o potencial de resgatar a nossa essência de harmonia e saúde”, defende a psicóloga.


A psicóloga e musicoterapeuta Ré Campos desenvolve a Orquestra Vidros Mágicos no HSM há dez anos

Com o propósito de criar mais conexões, o Tintas Terapêuticas, outro projeto conduzido por Ré Campos, incentivou a participação de pacientes na requalificação de espaços de convivência do HSM. Como resultado, paredes e pisos ganharam cores e mais vida. As pessoas internadas participaram, ainda, da construção de uma quadra e um canteiro terapêuticos, além de um campinho. Os funcionários da unidade também participaram da iniciativa.

“Eu sinto como se eu ganhasse na Mega-Sena todo dia. É muito bom o retorno que eles dão para gente; eles aderem ao tratamento e recebem alta mais rapidamente. A gente procura oportunizar um ambiente mais acolhedor e mais humano”, observa.

A humanização também guia o trabalho diário da terapeuta ocupacional Silvia Jatahy. Ela faz parte da equipe do HSM há 42 anos. No setor de Terapia Ocupacional, nas unidades masculinas e femininas, são desenvolvidas para os pacientes internados atividades autoexpressivas, socioterápicas, de reciclagem, pinturas, costura, dentre outras.

“No dia a dia, nós tentamos dar o melhor de nós para eles, para que consigam sentir laços de afetividade. Nós vemos eles como pessoas que precisam do nosso apoio”, diz Jatahy.


Dedicação e ternura guiam o trabalho da terapeuta ocupacional Silvia Jatahy

É nesse acolhimento que Maria Iraci, paciente do Hospital-dia, dá os primeiros passos de uma nova caminhada. “Se a gente pudesse não ia embora, mas acontece que temos de virar borboleta para voar. Eu pretendo, se Deus quiser, quando terminar meu tratamento, seguir minha vida; voltar a trabalhar, cuidar da minha casa e do meu filho”, projeta.

Valorização da vida

Caso você esteja precisando de apoio emocional, principalmente relacionado à prevenção do suicídio, procure os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) do seu município ou ligue para o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 188.