Felipe, Dara e Esther: vidas trans que mudam a Saúde cearense

28 de janeiro de 2022 - 08:33 # # # #

Assessoria de Comunicação da Sesa
Texto: Suzana Mont'Alverne
Fotos: Divulgação/HSM/Hias/HRN


Felipe Oliveira Silva é uma dentre tantas pessoas trans que atuam na Rede da Secretaria da Saúde do Ceará para tornar a assistência mais humanizada para a comunidade LGBTQIAP+

A diversidade amplia o entendimento do mundo pelos olhos do outro. O Dia Nacional da Visibilidade Trans, marcado neste sábado (29), destaca essa ideia e reforça a importância da ocupação desta parcela da população em todas as áreas. Na Saúde, as violências contra travestis e transexuais vão desde a falta de informação até a assistência, passando pelo desrespeito ao uso do nome social — o que é lei no Ceará desde julho de 2019.

Mas há quem lute para trilhar dias melhores para a comunidade LGBTQIAP+ e para a saúde pública cearense. Felipe de Oliveira Silva, que atua no Serviço de Referência Transdiciplinar para Transgêneros (Sertrans) do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), é um deles.

Homem trans, o enfermeiro hoje trabalha no ambulatório onde um dia esteve como paciente. “Nossa sociedade ainda não tem esse preparo. Nossos profissionais também não. Fui paciente do ambulatório; o atendimento que recebi foi muito importante, mas nem todos os espaços possuem essas características”, avalia.

Esta compreensão faz com que Oliveira, 27, use a profissão para educar e mostrar que é possível não estigmatizar pessoas trans. Também professor de um curso técnico, o enfermeiro alegra-se por poder ser porta-voz para tantos. “Não tive acesso a esse universo durante a minha formação. Ocupar este lugar me dá a oportunidade de ensinar e encorajar os que estão passando pelo processo“, diz. A realidade do jovem, que tem formação em nível superior e emprego com carteira assinada, não é a mesma para todas as pessoas trans, que muitas vezes são marginalizadas.

“Estou viva pela minha persistência”

Dara Raquel Costa, por exemplo, só entrou formalmente no mercado há oito meses, aos 40 anos. Atualmente, ela trabalha como auxiliar de Serviços Gerais no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), também da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

Costa é uma dentre tantas que recorreram à prostituição para ter comida na mesa. Aos 14 anos, saiu de Morada Nova, distante cerca de 155 km de Fortaleza, e foi para São Paulo, onde passou dez anos. “Sou uma sobrevivente. O mercado é complicado, a homofobia mata e eu estou viva pela minha persistência e oportunidade que amigos que me deram”.


Dara Costa exibe o nome em seu crachá, o primeiro em 40 anos de vida

Ainda na capital paulista, foi babá de algumas crianças, antes de retornar para o Ceará. Os serviços informais, ela pontua, são as opções mais comuns. “O mercado de trabalho é escasso para nós. Vivemos à margem da sociedade”. E continua: “Somos seres humanos, precisamos ser vistos como tal. Nosso tempo de vida não precisa ser curto. Precisamos vencer a homofobia”, protesta ela, que se reconhece como travesti.

Pesquisas apontam que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos, menos da metade da média nacional de 76,8 anos, conforme dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). A auxiliar de Serviços Gerais do Hias é uma das poucas que não entram nesta estatística. Por isso, ela celebra não só a vida, mas onde se encontra. E comemora o nome “Dara” no crachá, símbolo de existência. “O respeito começa por aí”, ensina.

Luta por espaço

O medo da indiferença também não impediu a técnica em Enfermagem Esther Estevão da Costa, 40, de lutar por espaço. Nascida em uma família de quatro irmãos, ela conta que a mãe sempre desejou uma menina e que, ainda grávida, “conversava” com a barriga chamando o bebê pelo nome que hoje adota.

“Recebi o nome de Estevão. Mas sempre me senti diferente. E a minha mãe também, tanto que nunca me impediu de vestir o que desejasse. Quando precisava usar roupa masculina, eu não me gostava”, lembra.


Esther Costa preside a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes do Hospital Regional Norte

Já o pai acreditava que “era uma fase”. Pela incompreensão paterna, inclusive, aos 18 anos, decidiu sair de casa. “Estudei, batalhei para ser gente na vida, para conquistar o meu lugar por competência”, afirma. Esforço que lhe rendeu 266 votos dos colegas do Hospital Regional Norte (HRN), onde trabalha, para ocupar a vice-presidência da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).

“Eu quase não acreditei. Trabalho com muita responsabilidade, carinho e respeito. Foi isso que me trouxe até aqui”, emociona-se. A profissional de saúde, que também atua na Central de Transporte de Pacientes, sabe que sua realidade, infelizmente, não é a mesma para todas e todos. “Sou uma felizarda neste mundo. Fui sorteada. Tenho amigas que passam por situações humilhantes, indignas de um ser humano”, lamenta. “A abertura do mercado de trabalho é urgente. E precisa ser para todos”.