Com 91 anos de história, antigo leprosário acolhe pacientes remanescentes

9 de agosto de 2019 - 19:16 # # #

Assessoria de Comunicação da Sesa
Repórter: Martina Dieb
Foto:Jocastra Holanda e Martina Dieb

Nesta sexta-feira, 9 de agosto, o Centro de Convivência Antônio Diogo, uma das unidades mais antigas da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), celebrou 91 anos. Como parte da comemoração alusiva à antiga Colônia Antônio Diogo, a unidade ganhou novo acervo histórico do Memorial Leprosaria Canafístula dedicado à memória da hanseníase no Ceará. Durante a manhã desta sexta-feira, os pacientes remanescentes do equipamento participaram de uma missa em ação de graças. A unidade recebeu ainda a visita de pesquisadores, alunos e professores de várias instituições de ensino.

O acervo do Memorial conta com amostras da documentação existente da Colônia de Antônio Diogo, recortes de jornais que documentavam a chegada dos primeiros pacientes, além de artefatos sacros e uma sala dedicada a reproduzir a experiência da doença aos visitantes. Com o intuito de aprimorar a configuração original do memorial associaram-se pesquisadores da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) na administração do acervo.

A equipe do projeto de extensão vem registrando narrativas dos moradores mais antigos sobre os diferentes usos do prédio. Além disso, o grupo executa diferentes atividades de preservação da história do lugar e de sua organização, de modo a torná-lo acessível aos pesquisadores e demais interessados em conhecer as ações da instituição, desde a sua fundação.

Assis Duarte Guedes, diretor do Centro de Convivência Antônio Diogo, destacou na cerimônia de abertura as novas ações da unidade. “A gente tem trabalhado buscando novas perspectivas de forma clara e objetiva de fazer o perfil do equipamento diferente dos anos anteriores. Hoje ressignificamos toda a estrutura. Atualmente, contamos com projetos de extensão importantes que beneficiam diretamente nossos pacientes”, ressaltou.

Transformação histórica

“A hanseníase causava um impacto social, familiar e na Saúde. Esse equipamento localizado em Redenção faz parte da memória histórica do município. Aqui é um resgate da memória desde sua fundação em 1928, com o acervo da passagem de pacientes e tratamento da doença. Esse acervo mostra a transformação histórica do lugar e evolução do tratamento da doença na sociedade”, afirmou Davi Benevides, prefeito de Redenção.

O Centro Antônio Diogo abriga 42 pacientes remanescentes da Colônia de Antônio Diogo em dois pavilhões e 65 casas, quase todas ocupadas por cerca de 100 familiares dos ex-internos.

Hoje, a unidade atua com um serviço ambulatorial de dermatologia para atendimentos de pacientes da unidade e da região, promovendo reabilitação física e social, de forma a garantir um atendimento humanizado, resolutivo e que propicie a criação de vínculos entre a equipe multidisciplinar e os pacientes. O ambulatório conta com clínicos gerais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e assistentes sociais. O equipamento também faz o diagnóstico de hanseníase para os municípios da região.

Ferida na alma

No Brasil, até meados do século XX, os portadores da hanseníase eram obrigados a se isolar em leprosários, uma política que visava o afastamento dos doentes por meio de internação compulsória em vez de um tratamento efetivo. Neste período, a Colônia Antônio Diogo recebia pacientes de todo o Estado.

Natural de Paracuru e moradora da unidade há 78 anos, Tereza Moreira Cardoso, 88, chegou à Colônia Antônio Diogo apenas com 10 anos de idade. Trazida pela mãe, conta que a família passava por muitas dificuldades e não tinha condições de promover o tratamento adequado. “Todos os dias me lembro do som do trem que me trouxe pra cá. Tive que deixar minha mãe, meus irmãos, minha cidade para começar o tratamento aqui. Cheguei aqui criança. Quando completei 14 anos, conheci na colônia meu marido, a gente passou pouco tempo junto porque ele morreu muito novo e a gente não teve filhos. Minha vida sempre foi cheia de solidão”, diz.

Dona Tereza relata o quanto a doença afetou a própria história de vida. “Me acostumei com as feridas do meu corpo. Mas essa minha doença abriu uma ferida na minha alma. Eu não tenho lembrança boa, nem vale a pena falar. Eu sentia tanta da dor que dormia desfalecida. Essas paredes da minha casa estão cheias de gemidos de dor, de sofrimento”, relata.

Em 1962, a internação compulsória deixou de ser regra. Com os avanços da pesquisa e o desenvolvimento de terapias, o tratamento da hanseníase passou a ser visto sob um novo olhar.

Pesquisa e inovação

A história da Colônia Antônio Diogo despertou o interesse do professor Rafael Antunes de Almeida, que veio de Minas Gerais. Para ele, a antiga leprosaria é um campo rico de pesquisas antropológicas. “Quando levantei a memória do lugar e soube que os pacientes moravam na colônia instigou meu interesse por uma pesquisa ligada à dinâmica do lugar como uma “instituição total”. Esta é uma definição da sociologia de um local de residência onde um grande número de indivíduos com situação semelhantes são separados da sociedade por um considerável período de tempo levam uma vida fechada”, diz.

“Um aspecto interessante da antiga colônia é que até 1980 vários pacientes optaram por permanecer na instituição por ter acolhimento e tratamento adequado. Minha linha de estudo traz como essas pessoas percebem seu corpo, como reagem ao envelhecimento e à memória do lugar”, conclui.

Rafael Antunes de Almeida participa do projeto de extensão da Unilab voltado para as narrativas e memórias dos pacientes remanescentes. O Centro de Convivência conta também com outros projetos de pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Odorico Moraes, diretor do Núcleo de Pesquisa de Medicamentos da UFC relata ainda que a pesquisa realizada com pacientes da unidade tem sido animadora. “A pesquisa com a biomembrana feita com uma proteína retirada da Calotropis a partir do látex dessa planta e se faz uma biomembrana que tem contribuído para a cicatrização das úlceras planares de pacientes com hanseníase. O resultado tem sido interessante e muito animador”, ressalta.

Hanseníase

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 21% dos pacientes hansenianos apresentam incapacidades, dentre elas, a ulceração plantar é a mais comum, ocorrendo entre 10% a 20% dos casos. São atribuídos alguns mecanismos que produzem danos a tecidos insensíveis.

A infecção por hanseníase além de contagiosa, mesmo curada, deixa sequelas que podem afetar e danificar de modo permanente as terminações nervosas. Seus efeitos são principalmente nas extremidades, como mãos e pés. As sequelas podem ocorrer por meio da falta de sensibilidade. A UFC promove em paralelo outro projeto do equipamento Design Inclusivo do curso de Design e Moda desenvolvimento de calçados para pessoas com hanseníase e ou com deficiência do Centro de Convivência Antônio Diogo.

Os calçados auxiliam as pessoas durante a locomoção diariamente, complementam a proteção dos membros inferiores, influenciando no equilíbrio, postura e qualidade de vida do paciente com hanseníase por meio do uso de calçados unindo ergonomia e funcionalidade do calçado visando à inclusão social.